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Sinopse
No livro "Fantásticas Fábulas", de Monteiro Lobato, os leitores são convidados a embarcar em uma jornada por fábulas repletas de imaginação, sabedoria e lições atemporais. Na edição especial da Mafra Editions, esta coleção de contos convida os leitores a explorar os mundos fantásticos e os personagens singulares criados por Lobato. Ao adentrarem nas histórias que misturam o imaginário e o real, os leitores encontram as lições e reflexões presentes em cada conto.
Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé de um formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos, arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas. A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém. Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu — tique, tique, tique...
Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
- Que quer? — perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
- Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu... A formiga olhou-a de alto a baixo.
- E que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?
A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois de um acesso
de tosse:
- Eu cantava, bem sabe...
- Ah!... — exclamou a formiga recordando-se. — Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?
- Isso mesmo, era eu...
- Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
II – A formiga má
Já houve, entretanto, uma formiga má que não soube compreender a cigarra e com dureza a repeliu de sua porta.
Foi isso na Europa, em pleno inverno, quando a neve recobria o mundo com o seu cruel manto de gelo.
A cigarra, como de costume, havia cantado sem parar o estio inteiro, e o inverno veio encontrá-la desprovida de tudo, sem casa onde se abrigar, nem folhinhas que comesse.
Desesperada, bateu à porta da formiga e implorou — emprestado, notem! — uns miseráveis restos de comida. Pagaria com juros altos aquela comida de empréstimo, logo que o tempo o permitisse.
Mas a formiga era uma usurária sem entranhas. Além disso, invejosa. Como não soubesse cantar, tinha ódio à cigarra por vê-la querida de todos os seres.
- Que fazia você durante o bom tempo?
- Eu... eu cantava!
- Cantava? Pois dance agora, vagabunda! — e fechou-lhe a por- ta no nariz.
Resultado: a cigarra ali morreu entanguidinha; e quando voltou a primavera o mundo apresentava
um aspecto mais triste. É que faltava na música do mundo o som estridente daquela cigarra morta por causa da avareza da formiga. Mas se a usurária morresse, quem daria pela falta dela?
Os artistas — poetas, pintores, músicos — são as cigarras da humanidade.
Muito lampeiros, dois burrinhos de tropa seguiam trotando pela estrada além. O da frente conduzia bruacas de ouro em pó; e o de trás, simples sacos de farelo. Embora burros da mesma igualha, não queria o primeiro que o segundo lhe caminhasse ao lado.
- Alto lá! — dizia ele. — Não se emparelhe comigo, que quem carrega ouro não é do mesmo naipe de quem conduz farelo. Guar- de cinco passos de distância e caminhe respeitoso como se fosse um pajem.
O burrinho do farelo submetia-se e lá trotava na traseira, de orelhas murchas, roendo-se de inveja do fidalgo. De repente...
- Oah! oah!…
São ladrões da montanha que surgem de trás de um toco e agarram os burrinhos pelos cabrestos.
Examinam primeiramente a carga do burro humilde:
- Farelo! — exclamam desapontados. — O demo o leve! Vejamos se há coisa de mais valor no da frente.
- Ouro, ouro! — gritam, arregalando os olhos. E atiram-se ao saque.
Mas o burrinho resiste. Desfere coices e dispara pelo campo afora. Os ladrões correm-lhe atrás, cercam-no e dão-lhe em cima, de pau e pedra. Afinal saqueiam-no.
Terminada a festa, o burrinho do ouro, mais morto que vivo e tão surrado que nem se suster em pé podia, reclama o auxílio do outro que muito fresco da vida tosava o capim sossegadamente.
- Socorro, amigo! Venha acudir-me, que estou descadeirado... O burrinho do farelo respondeu zombeteiramente:
- Mas poderei por acaso aproximar-me de Vossa Excelência?
- Como não? Minha fidalguia estava toda dentro da bruaca e lá se foi nas mãos daqueles patifes.
Sem as bruacas de ouro no lombo, sou uma pobre besta igual a você...
- Bem sei. Você é como certos grandes homens do mundo que só valem pelo cargo que ocupam.
No fundo, simples bestas de carga, eu, tu, eles...
E ajudou-o a regressar para casa, decorando, para uso próprio, a lição que ardia no lombo do vaidoso.
O MACACO E O GATO
Simão, o macaco, e Bichano, o gato, moram juntos na mesma casa. E pintam o sete. Um furta coisas, remexe gavetas, esconde tesou- rinhas, atormenta o papagaio; outro arranha os tapetes, esfiapa as
almofadas e bebe o leite das crianças.
Mas, apesar de amigos e sócios, o macaco sabe agir com tal maromba que é quem sai ganhando sempre.
Foi assim no caso das castanhas.
A cozinheira pusera a assar nas brasas umas castanhas e fora à horta colher temperos. Vendo a cozinha vazia, os dois malandros se aproximaram. Disse o macaco:
- Amigo Bichano, você, que tem uma pata jeitosa, tire as castanhas do fogo.
O gato não se fez insistir e com muita arte começou a tirar as castanhas.
- Pronto, uma...
- Agora aquela de lá... Isso. Agora aquela gorducha... Isso. E mais a da esquerda, que estalou...
O gato as tirava, mas quem as comia, gulosamente, piscando o olho, era o macaco...
De repente, eis que surge a cozinheira, furiosa, de vara na mão.
- Espere aí, diabada!...
- Os dois gatunos sumiram-se aos pinotes.
- Boa peça, hein? — disse o macaco lá longe. O gato suspirou:
- Para você, que comeu as castanhas. Para mim foi péssima, pois arrisquei o pelo e fiquei em jejum, sem saber que gosto tem uma castanha assada...
O bom-bocado não é para quem o faz, é para quem o come.
A MOSCA E O AUTOMÓVEL
Um automóvel havia encalhado em certo ponto de mau caminho, num atoleiro.
- E agora?
-Agora é procurar bois na vizinhança e arrancá-lo à força viva. Assim se fez. Arranjam os bois — uma junta.
Atrelam-na ao carro e principia a luta.
- Vamos, Malhado! Puxa, Cuitelo! - Os bois estiram os músculos num potente esforço, espicaçados pelo aguilhão.
Mas não basta. É preciso que todos, serviçais e passageiros, metam ombros à tarefa e, empurrando de cá, alçapremando de lá, ajudem o arranco dos bovinos. A mosca aparece. Assunta o caso e resolve meter o bedelho onde não é chamada. E toda aflita começa — voa daqui, pousa ali, zumbe à orelha de um, pica no focinho de outro, atormenta os bois, atrapalha os homens — a multiplicar-se de tal maneira que dá a impressão de ser não uma só, mas um enxame inteiro de moscas infernais.
O carro, afinal, saiu do atoleiro.
- Uf! Que trabalhão me deu!... — disse a mosquinha enxugando o suor da testa.