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Alyssa mora em uma cidadezinha no sul do Brasil. Sua adolescência é marcada por poucos amigos, nenhuma pretensão amorosa e muito apego aos estudos. Sua vida pessoal acaba sendo afetada pelos constantes problemas familiares e financeiros enfrentados pela garota.Em meio a dilemas e imprevistos, muita coisa acaba mudando na vida de Alyssa, mas nenhuma a fará mudar tanto quanto ter conhecido Joseph, o rapaz que começa a balançar sua mente e seu coração. É a partir daí que ela começará a descobrir que a vida não é tão sem cor como imaginava, é a partir daí que algumas emoções começarão a florescer pela primeira vez em seu coração, mas é também a partir daí que Alyssa descobrirá o valor da amizade e do amor, e que ninguém passa por nossa trajetória sem deixar uma marca e uma lição de vida.
VIDA
Meu nome é Alyssa Schulze Collins. Decidi contar um pouco da minha história porque acredito que ela possa ser útil pra alguém.
Começo falando a respeito da minha terra natal, das minhas origens, da minha querida família que tanto amei e ainda amo. Passe o tempo que passar, haja a distância que houver, o amor que sentimos pelas pessoas continua sempre conosco, dentro do coração, no fundo da alma.
Minha mãe, Hannah Schulze, era neta de alemães que imigraram para o Brasil, exatamente para a cidade de Pomerode, no fim dos anos cinquenta, e meu pai, Darin Richard Collins, era filho de norte-americanos negros, nascido na cidade de Boston, Massachusetts.
Meus pais se conheceram aqui mesmo no Brasil, no carnaval no Rio de Janeiro, na década de oitenta. Depois de se casarem, moraram por um tempo nos Estados Unidos, mas minha mãe não se adaptou à vida na América do Norte nem suportou ficar longe de seus pais. Ela era muito nova, tinha só dezenove anos, e assim convenceu meu pai a voltar para o sul do Brasil e residir definitivamente no pequeno sítio que pertenceu aos meus avós maternos, na época ainda vivos.
Você deve estar se perguntando o que uma pessoa tão jovem como eu teria de tão importante pra dizer. Talvez não sejam tantas coisas, mas uma experiência em especial marcou muito a minha vida.
Como eu disse no início, vivíamos na cidade de colônia alemã chamada Pomerode. Era pequena, pacata, possuía uma arquitetura europeia e festas típicas o ano todo. Eu amava a exposição das orquídeas, o festival de gastronomia, a festa pomerana que acontecia todo mês de janeiro e a festa de Natal. Os trinta mil habitantes da cidade eram predominantemente brancos. Localizava-se no Médio Vale do Rio Itajaí-Açú. Eu amava viver em Pomerode. Era uma cidade tranquila, charmosa e reconhecida por suas tradições, belezas naturais e sua ótima qualidade de vida.
Tanto a cultura norte-americana quanto a germânica me encantavam. Eu falava alemão básico e dominava o inglês. Meus pratos e iguarias americanas favoritas eram, primeiramente, os famosos donuts, que são pequenos bolos em forma de roscas. São feitos com massa açucarada frita e cobertos com diversos tipos de doces, como chocolate e confeitos coloridos.
Eu amava também o churrasco americano feito com o Capitão Beef Angus. Eram bifes bovinos grandes e bem grossos, com ossinho no meio. E também o Prime Rib, um dos cortes de carne mais tradicionais nos Estados Unidos, que, além de ser muito macio, é a parte mais saborosa da costela. E tudo isso com molho barbecue feito geralmente de molho de tomate, vinagre, especiarias e adoçantes. Meu pai sabia fazer um churrasco americano delicioso.
Eu adorava cada cantinho da minha cidade, inclusive de sua culinária tão variada. Havia restaurantes especializados na cozinha alemã, italiana e portuguesa. Dentre meus pratos preferidos estão o marreco recheado, a pizza, os doces tradicionais da Alemanha, que sempre tinham um toque especial de ingredientes brasileiros. As cucas caseiras eram divinas.
Era assim a entrada da cidade:
O Strudel era minha iguaria típica preferida, uma espécie de pão doce de massa folhada, recheado de maçãs com canela, passas de uva, ginjas e queijo branco.
Meus pais não eram ricos, o sítio dava muitas despesas, as dívidas de tempos em tempos se acumulavam e meus avós americanos muitas vezes tinham que mandar uns dólares para nos salvar das dificuldades.
Hannah fazia doces coloniais e geleias pra vender e também criava galinhas e patos. Eu gostava muito de ajudar minha mãe a cuidar dos bichos e a fazer os doces. Meu pai era mecânico, trabalhava em uma oficina no centro da cidade.
Para falar a verdade, Darin nunca estava plenamente feliz com a minha mãe. Os conflitos eram constantes. Ele sempre quis voltar para Boston, terra natal dos meus avós paternos, lugar onde meu pai cresceu, mas minha mãe não queria deixar o Brasil por nada, de modo algum.
Depois das dívidas, esse sempre foi o maior motivo das brigas entre eles. Não brigas comuns de casal; eram brigas feias, com muitas ofensas e gritos. Muitas vezes eu duvidava que meus pais se amassem de verdade. Havia tempos em que tudo ficava em paz (pelo menos aparentemente), mas em outros tempos as coisas pioravam.
Durante a minha adolescência, eu fui uma garota introvertida, tímida, falava pouco, tinha poucas amigas (na verdade, somente uma, a Maria). Convivemos durante todo o ensino médio. Com ela eu conversa bastante.
Talvez minha timidez fosse depressão por presenciar as brigas dos meus pais, que se tornaram cada vez mais constantes conforme os anos se passavam, já que meu pai não tinha sua vontade realizada.
Meu pai Darin dizia sempre que seu desejo era que eu tivesse uma boa educação nos colégios americanos. Cogitou a possibilidade de eu viver em Boston com os meus avós, mas Hannah se recusava a permitir.
Até os doze anos eu havia visitado os Estados Unidos duas vezes. Adorei conhecer tudo por lá. Eu percebia a falta que aquele lugar fazia na vida do meu pai. Adorei fazer bonecos de neve em Boston, a paisagem era toda branquinha, congelava. Na semana do Natal então! Tudo colorido com as luzes pisca-pisca, todo tipo de enfeite natalino, o pinheiro enorme no canto da sala dos meus avós... Era um mundo encantado pra mim. Passei até três meses por lá de férias. Foi incrível. Tudo que eu via nos filmes da TV estava lá.
Sempre fui apaixonada pelas estrelas, pelos astros do universo, pela ciência. Os Estados Unidos eram praticamente o polo das ciências e oportunidades de estudos e trabalho nessa área. Falando nisso, os estudos e os livros eram mais atrativos pra mim do que as festas e as baladas. Eram mais interessantes para mim do que os rapazes bonitos e os convites para sair.
Eu nasci branca, cabelos castanhos claros e olhos verdes como os da minha mãe. Muitas pessoas perguntavam se meu pai era meu padrasto. Parece que as pessoas não entendem o que é a probabilidade genética e acham que um homem negro não pode ter uma filha branca.
Muitas pessoas lançavam olhares de surpresa quando viam meus pais juntos. Casais de etnias diferentes chamam mesmo a atenção das pessoas em uma sociedade que estabeleceu padrão para tudo.
Eu gostava muito dos meus tios americanos. Vinham nos visitar algumas vezes no Brasil. Eram muitos divertidos. Dois também moravam na Califórnia e o outro em Massachusetts com meus avós.
Eu estive também na Califórnia em uma das minhas férias de verão. Lá era inverno, um pouco menos frio do que Boston. Eu adorava aquele clima, vestia lindos casacos.
A minha irmã mais nova, Kimberly, sempre ia comigo e com meu pai nessas viagens. Como eu amava a minha irmã! Ela parecia não sofrer tanto com as brigas dos nossos pais. Era mais extrovertida, tinha muitas amigas e estava sempre saindo para passear.
Frequentávamos uma igreja protestante, e até na igreja me achavam um pouco estranha. Muitos criticavam minha introversão. Às vezes parecia que ser tímido era um crime.
Acho que eu era uma adolescente atípica, do tipo que não se preocupava em ser cortejada pelos rapazes. Aliás, eu nem dava bola pra eles. Eu não corria trás de namorados, apesar dos meninos na escola correrem atrás de mim o tempo todo, coisa comum entre os adolescentes.
Eu me perguntava o que aqueles garotos viam em mim, uma moça, digamos, sem graça, desajeitada, inteligente, mas um pouco distante de tudo. A verdade era que nenhum deles conseguia conquistar meu coração, muito embora fossem jovens lindos.
Mas isso não significa que eu não me apaixonava. Muito pelo contrário, eu me apaixonava sim, e muito, mas eram amores fora de hora e que não podiam ser correspondidos, por isso eu nem tentava nada. Eu não tinha maturidade para esse tipo de coisa e não eram todos que entendiam isso.
Os rapazes queriam ficar comigo. Naquela época, nos anos 2000, havia a moda do tal de “ficar”, que era o beijo sem compromisso. Ah, eu nunca me esqueço das minhas colegas indo atrás da escola só para beijarem os meninos durante todo o recreio.
Os meninos viviam me perseguindo, queriam me roubar um beijo. Como eu disse, sei lá o que eles viam em mim, mas a verdade é que eu não queria beijo casual, eu não queria nada disso.
Uma vez aconteceu algo engraçado. Eu tive até que fugir da escola porque um rapaz queria me dar um beijo de qualquer maneira. O relógio marcou 17:30, o sinal da escola tocou indicando a hora de ir embora. Eu já estava no portão de saída quando o meu colega Sérgio correu em minha direção e disse nervoso:
— Alyssa!
— O que foi Sérgio? Aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu! Foge agora! Corre, porque o Claudio disse que vai te pegar para te dar um beijo, custe o que custar.
Juro que naquele instante eu não contive a minha risada. A situação foi por demais engraçada, o meu colega estava mais desesperado do que eu. Confesso que apressei o passo a caminho de casa. Levava uns trinta minutos.
O Claudio me perseguia na escola já havia dois meses. Vivia me mandando bilhetes, cartinhas, querendo se encontrar comigo. Mas a verdade é que eu, com treze anos, não sentia vontade de ficar com ninguém. Engraçado que naquela época ainda não havia acesso a celulares nem à internet como existe hoje, então as cartas e os bilhetes eram muito comuns.
Sinceramente, eu não me achava tão bonita assim. Me achava estranha, mal conversava com as pessoas. Até hoje eu me pergunto como pode os meninos me cortejarem tanto.
Mas as coisas não pararam por aí. Durante mais um dia de aula na escola, na sétima série, precisamente na hora do recreio, recebi mais um bilhetinho. Era do Thiago, um rapaz da oitava série, um excelente aluno, do tipo nerd mesmo. Volta e meia, durante as horas vagas, na entrada, saída, ele sempre puxava assunto comigo, me elogiava. Eu também era considerada uma das melhores alunas da sala.
Eu ainda tinha uma vantagem: pelo fato de ser filha de americano e dominar o inglês, minhas notas nessa disciplina sempre eram as mais altas. Na verdade, era sempre nota máxima.
O Thiago vivia rasgando elogios para mim. Eu costumava ouvir tudo quase que totalmente calada. Eu nem sabia lidar com aquilo, eu apenas balançava a cabeça concordando com as palavras dele. Sim, eu era uma adolescente perdida no território da paixão.
Naquele dia, depois de ler o bilhete que ele me mandou na hora do recreio, fiz que o que sempre fazia: ignorei. Eu não queria mesmo saber daquilo. Mas o Thiago foi insistente, mandou a prima vir até mim para passar o recado de novo.
— Alyssa, o Thiago está te esperando lá atrás da escola. Ele quer muito que você vá.
Eu neguei de novo. Dois minutos depois ela voltou e insistiu mais uma vez. Fiquei irritada e fui logo atrás da escola para ouvir o que aquele rapaz de quatorze anos queria tanto me dizer.
Confesso que fiquei nervosa. O Thiago não era feio não, era bonitinho, sempre bem arrumado, com gel no cabelo, calça jeans sempre da moda, era mais alto do que eu, charmosinho.
Enfim lá estava eu diante dele. Mantive certa distância, pois não queria correr o risco de que ele me beijasse de repente. Eu nunca havia beijado ninguém, de maneira nenhuma gostaria que fosse daquele jeito e com um desconhecido.
— Thiago – chamei.
— Alyssa – ele sorriu.
— Você pediu para me chamar.
— Sim. Quero te dizer umas coisas.
— Diga. – Permaneci mantendo certa distância.
— Você está linda hoje. Aliás, você é linda todos os dias.
— Muito obrigada.
— Parabéns pela sua nota máxima hoje em português.
Balancei a cabeça em sinal de concordância. Conforme ele se aproximava eu me afastava ainda mais.
— Alyssa, eu quero dizer que... – Ele foi chegando mais perto.
Quando percebi que coisa estava ficando séria, tratei de sair dali correndo. Por sorte o sinal tocou, o recreio acabou e entrei na sala de aula. Meu coração estava acelerado. A prima dele estudava na minha sala, ainda bem que ele não. Certamente ela lhe contava sobre as minhas notas e tudo que eu fazia.
Hoje me arrependo um pouco por não ter escutado até o fim o que ele tinha para me dizer. Vou ficar para sempre com essa curiosidade guardada dentro de mim. Mas, de verdade, eu não queria beijo naquela hora não.
No ano de 2002 fui matriculada em uma nova escola para cursar o ensino médio, a Escola Estadual Doutor Wunderwald. A Maria se matriculou na mesma classe que eu, mesmo ela sendo mais velha, podendo até cursar o ensino supletivo. Já tínhamos combinado de estudarmos juntas sempre, éramos igualmente tímidas e com princípios parecidos. Continuei quieta no meu cantinho, como eu era no antigo colégio.
As brigas em casa continuavam constantes, meus pais não se entendiam e as crises financeiras estavam quase nos obrigando a vender o sítio onde vivíamos, uma herança dos meus avós maternos.
Minha mãe vivia amargurada com as ameaças de separação do meu pai, que durante as discussões gritava bem alto que estava prestes a ir embora para os Estados Unidos.
Minha mãe gritava em alemão, meu pai gritava em inglês e eu pedia calma em português. A Kimberly não se intrometia em nada, estava sempre alheia. Quando as brigas aconteciam, ela quase sempre não estava em casa, mas com as amigas por aí, ora estudando, ora passeando.
Eu deveria ter feito como ela. De uma coisa tenho certeza: eu não queria aquela vida que os meus pais levavam. Quando eu ficasse adulta, certamente eu iria embora viver com os meus avós em Boston. Pelo menos esse foi meu pensamento na época.
A Maria era uma colega muito divertida, apesar de algumas vezes discordamos por questões de doutrinas religiosas. Ríamos muito juntas. Ao lado dela eu nem parecia aquela garota tão introvertida. Há pessoas que nos inspiram alegria e mais confiança.
Ela era Testemunha de Jeová e eu protestante. Muito embora seguíssemos regras diferentes, de um modo geral tínhamos o mesmo padrão de comportamento moral. Não condenávamos ninguém, apenas praticávamos aquilo que acreditávamos ser verdadeiro.
Uma vez, por impulso e força do hábito, desejei-lhe feliz aniversário, que me olhou com cara séria e não respondeu nada. Certamente ficou constrangida. Eu havia esquecido que a Maria não comemorava aniversários.
Ensinei minha amiga um pouco de alemão e inglês também. De vez em quando eu ia à casa dela, não somente para as aulas, mas também para fazermos juntas bolo de chocolate, delicadamente conhecido no sul como “nega maluca”.
Nossas bandas de rock preferidas eram Legião Urbana e Paralamas do Sucesso. Ela gostava muito das músicas românticas da Laura Pausini. Muitas vezes, no trajeto de volta da escola, ela cantava “Vento no Litoral” e “Óculos”.
Ainda me lembro de quando passamos uma tarde de sábado em sua casa fazendo pratos típicos que conhecíamos. Fiz uma torta de maçã americana que aprendi com a minha avó Meg.
Já a Maria, que era descendente de portugueses, fez uma francesinha, uma espécie de sanduíche feito com carne e queijo, servido em um prato com molho especial, batatas fritas ao redor e um ovo estalado por cima. Achei uma delícia. Nos divertimos naquele dia. Era incrível como perto dela eu não era tão introvertida e reclusa.
***
Dormi até mais tarde naquela manhã e acabei me atrasando para ir à escola. Eu não poderia faltar naquele dia, tinha prova de matemática e o professor era muito severo. Certamente eu levaria uma bronca daquelas por chegar tarde, isso se ele me deixasse entrar e fazer a prova.
Me arrumei o mais rápido que pude. A escola não ficava muito longe, só uns vinte minutos de caminhada. Mas, por ser uma questão urgente, peguei a bicicleta do meu pai emprestada pra reduzir o tempo do trajeto para dez minutos.
Eu detestava andar de bicicleta. Até tive uma por uns meses, mas depois de ter me chocado com um menino ao descer uma ladeira e torcido meu braço, fiquei com muito medo de pedalar na rua. Porém naquele dia não teve jeito, eu não poderia perder aquela prova. Pedalei com pressa e meus cabelos ficaram até bagunçados por causa do vento que estava forte naquela manhã.
Chegando, larguei de qualquer jeito a bicicleta no bicicletário que ficava em frente à escola e iniciei minha luta para passar pela secretaria e ter minha entrada permitida.
— Bom dia, dona Helena! – eu disse ofegante à secretária.
— Bom dia, Alyssa. Chegou atrasada, hein.
— Sim, mas me desculpe. Eu perdi a hora. Eu só vim porque tem prova de matemática, não posso perder essa prova. Me deixe entrar.
Helena pensou por uns segundos.
— Tudo bem, eu deixo você entrar, mas não garanto que o professor Roberto vá permitir a sua entrada na sala de aula para fazer a prova. Você está quarenta minutos atrasada e ele é muito rígido a respeito dessa questão de horário em dias de prova.
— Eu sei disso, mas tenho que tentar.
— São duas aulas seguidas com ele?
— Sim. Eu consigo fazer a prova na segunda aula.
— Então corre logo para a sala de aula – ela me disse, liberando a minha entrada depois de digitar o código que abria a porta de vidro que dava acesso ao interior da escola.
Corri até minha sala de aula, que ficava no meio do corredor. Mas eu não fui a única a me atrasar. Quando chegava diante da porta da sala de aula, esbarrei com força em outro aluno que vinha também desesperado, pelo lado oposto. Vinha da direção do estacionamento. Era o Joseph Mallman, aluno novo que há duas semanas iniciara os estudos em minha classe. Assim como a maioria dos jovens da cidade, ele também era neto de alemães, loiro, olhos azuis e mais alto que eu. Tinha dezesseis anos na época, havia reprovado uma série no ensino fundamental.
Foi terrível! Nossos cadernos, livros e papéis se esparramaram pelo chão. Ficamos desnorteamos.
— Me desculpe, Alyssa, mas é que nem nos enxergamos de tanto desespero para chegar logo nessa sala de aula.
— Não foi nada, eu vim correndo também.
— Pior que esse professor é tão rígido que desconfio que não conseguiremos fazer essa prova sem apresentar no mínimo um atestado médico – ele falou, enquanto recolhia as coisas do chão.
— Eu não tenho atestado médico. Foi por dormir demais mesmo. Mas vamos tentar, quem sabe ele deixa – eu disse.
— Vamos nessa então – ele sorriu pra mim.
Eu não era de falar muito com os meninos, a não ser para fazer os trabalhos em grupo, isso quando os professores exigiam. Essas foram as primeiras palavras que eu troquei com ele.
— Professor, com licença – eu abri a porta e comecei a enfrentar a situação.
— Podemos entrar, professor? – Joseph arriscou.
O professor Roberto nos olhou com a cara amarga e séria.
— A prova já começou há mais de quarenta minutos. Por que se atrasaram tanto? Têm atestado médico ou atestado de óbito de algum familiar que tenha morrido no dia anterior? – Roberto perguntou.
— Não, professor. Perdi a hora e gostaria apenas de poder fazer a prova hoje – eu respondi.
— Também não tenho nenhum atestado, professor. Gostaria de fazer a prova. – Joseph estava contendo o riso. Todo mundo sempre ria quando o professor Roberto mencionava o atestado de óbito.
— Estou decepcionado com você, senhorita Alyssa. Você nunca foi de se atrasar sem uma justificativa de ordem médica.
— Sinto muito, professor. Não vai acontecer de novo – eu disse, cabisbaixa.
— Sendo assim, vocês não poderão fazer a prova hoje, terão que aguardar a segunda chamada no fim do semestre. E, como já sabem, as provas da segunda chamada são mais extensas, mais difíceis e nelas são cobrados os conteúdos do ano todo. Sugiram que estudem muito. Agora podem ir para o pátio. Aguardem lá sentados e quietos a próxima aula – o professor sentenciou.
— Sim, professor – eu disse, cabisbaixa.
— Então tá, professor. Fica pra próxima – Joseph respondeu.
Fechei a porta da sala e seguimos para as mesas do pátio, onde eram servidas as refeições na hora do recreio. Nos sentamos.
— Eu não sou de chegar tarde. Não sei direito o que aconteceu hoje. Dormi tarde. Fiquei até de madrugada lendo um livro de astronomia – comentei.
— Não duvido. Nessas duas semanas aqui na escola percebi o quanto você é inteligente e tímida também, quase não se enturma.
— Não sou muito de fazer amizades. Sei lá, me acho estranha. É meu jeito.
— Eu também não sou tão extrovertido assim. Mas adoro passear com os amigos, sair com as garotas.
— Falando em garotas, eu sempre ouço pelos cantos elas dizendo que você é lindo.
— Nem me acho tão lindo assim, sou apenas loiro como todos os outros rapazes dessa cidade descendentes de alemães.
— Cada um tem seu próprio jeito de ser. Beleza não envolve só aparência física.
— Então quer dizer que teremos que enfrentar uma prova de matemática terrível no fim do semestre? – Joseph lembrou.
— Não tem outro jeito. Vai ter que ser assim – eu sorri como raramente fazia.
***
Seguindo o exemplo do poeta Olavo Bilac, eu costumava conversar com as estrelas, deitava na relva do meu sítio. Havia muitas propriedades rurais na cidade, plantações e campos. Pomerode era uma das regiões mais belas do sul brasileiro.
Eu tinha certeza de que as estrelas me entendiam de alguma maneira. O céu era tão lindo. Eu amava os astros. Comprei vários livros de astronomia. Adorava ler sobre o sistema solar, galáxias e a sobre a luz. Sempre fui uma das melhores alunas em ciências e física.
Meus cientistas preferidos eram Kepler, Galileu, Hipatia de Alexandria, Newton, Einstein e Marie Curie. Se eu for citar aqui os nomes de todos os meus escritores preferidos, tanto americanos quanto alemães e brasileiros, seria necessário escrever um livro inteiro só com os nomes deles.
Não à toa eu passava boa parte do dia trancada no quarto lendo muito e estudando. Isso era o que me fascinava. Sim, eu sofria por ter quinze anos e ainda não ter tido um namorado, por ainda não ter beijado ninguém. Isso é mesmo uma coisa boba, mas havia uma cobrança muito grande por parte dos colegas a esse respeito. Eu era considerada um ser estranho por nunca ter beijado ninguém.
Certa vez, uma das minhas colegas apostou com os meninos para ver quem conseguiria me dar um beijo. Mas foram tão covardes que nenhum teve mesmo coragem.
Os professores em sua maioria me tratavam como a intelectual intocável, e meus colegas como a sabe-tudo estranha. Eu não queria ser nenhuma dessas duas coisas.
O Joseph costumava sentar em uma mesa longe da minha. Eu preferia ficar bem de frente para o quadro negro e ele quase no fundo, na fileira do outro lado.
De vez em quando eu olhava pra trás e notava que ele estava me encarando, mas eu disfarçava, fingia que nem percebia.
Depois de um mês estudando juntos, o Joseph começou, de repente, a sentar-se ao meu lado na sala de aula. Eu sempre ficava sem graça, nervosa. Confesso: ele era lindo, o colega mais lindo que eu já tive.
Certa vez, quando Joseph sentou-se ao meu lado na aula de alemão, por um momento, enquanto a professora escrevia no quadro, ele ficou me encarando, olhou fixamente nos meus olhos, como se quisesse me beijar. Foi assim por uns trinta segundos ou pouco mais. Eu só sei que fiquei arrepiada. Nunca antes um rapaz havia me mirado desse jeito, me devorando com os olhos.
***
A situação lá em casa estava muito complicada, a oficina atrasou muito o salário do meu pai, as dívidas se acumulavam e meu pai tinha mais certeza de que o país ideal para vivermos eram os Estados Unidos.
Naquele dia, cheguei da escola já ouvindo os gritos da briga feia entre os meus pais. Minha mãe Hannah gritava em alemão e meu pai em inglês, como era de praxe quando discutiam.
— Até quando você vai me obrigar a continuar nessa droga de país, Hannah? Eu investi todo o dinheiro que eu tinha para entrar de sócio naquela oficina mecânica (que já está quase falindo) porque você insistiu. Nesse país não teremos nenhum futuro. Os impostos, as dívidas se acumulam. Podemos até perder esse sítio!
— Podemos aumentar a produção de doces para conseguir mais dinheiro. Eu posso fazer mais bolos e até marmitas pra fora. Mas desse país eu não saio.
— Será que você não percebe que estamos perdendo a chance de enriquecer e de dar uma vida melhor para as nossas filhas continuando aqui nesse buraco?
— Mas vivemos em uma cidade pacata e tradicional.
— Hannah, isso não é suficiente. Essa cidade faz parte do Brasil e esse país está afundando cada vez mais. Pense melhor se não quiser acabar com nosso casamento. Há anos venho suportando essa situação. Já estou casado de ter que pedir dinheiro emprestado aos meus pais. Você pensa o quê? Acha que meus irmãos lá dos Estados Unidos não me chamam de folgado toda vez que tenho que pedir dinheiro para o meu pai?
— Darin, se você quiser ir embora para os Estados Unidos, vá. Eu não me importo. Mas tenha certeza de uma coisa: as minhas filhas vão continuar aqui comigo até se tornarem adultas. Jamais vou autorizar que elas saiam daqui pra morar longe de mim, em um país no qual não confio.
— Por que você está fazendo isso? Não me ama?
— Quer saber, Darin? Hoje, depois de todos esses anos de brigas e discussões, eu me arrependo de ter me casado com você. Eu vivo aqui, mas não tenho paz. Todo ano você fica três meses nos Estados Unidos e me deixa sozinha. Só pensa naquela terra. Agora, com tantas dívidas e brigas, talvez seja melhor mesmo você ir embora e me deixar em paz!
— Do jeito que você fala, até parece que a Alyssa e a Kimberly não são minhas filhas também. Eu tenho direito de tê-las perto de mim tanto quanto você. Eu não queria a separação, gostaria de ter minha família unida, mas se é assim que você quer, eu vou embora mesmo, porque eu não aguento mais as dificuldades que estamos passando nesse país sabendo que eu tenho um lugar melhor pra viver.
— Pois vá logo embora e me deixe em paz! – minha mãe gritou mais uma vez e correu para o quarto, batendo a porta.
Eu permaneci paralisada, anestesiada depois daquela cena. Naquela vez tive certeza de que meu pai iria mesmo embora de casa. Depois que ouvi minha mãe dizer que se arrependeu de ter se casado com meu pai, senti uma tristeza dominar minha alma. Tudo poderia ter ficado em paz se ela aceitasse ir embora para vivermos felizes nos Estados Unidos. Eu amaria morar com meus avós lá e ficar livre das brigas dos meus pais.
Eu perdi até a fome nesse dia. Fui para o meu quarto e me joguei na cama. A Kimberly entrou.
— Alyssa, não almoçou comigo! Sabe que nem o pai nem a mãe estavam à mesa? Servi o almoço só pra mim. Te chamei, mas você também não apareceu.
— Kimberly, em que mundo você vive? Eu cheguei da escola e me deparei com nossos pais brigando feio, foi a maior gritaria. Acho que dessa vez se separam mesmo.
— O pai não desiste dessa ideia de irmos embora para os Estados Unidos. Eu gosto de lá. Nunca me esqueço do verão e do inverno que passamos lá com o vô e a vó.
— E ele está certo. Se a gente tem a chance de viver em um lugar melhor, estudar em boas escolas, ter uma melhor qualidade de vida, a mãe tinha que concordar. O pai disse que dessa vez vai embora de qualquer jeito.
— E a mãe disse o quê?
— Ela disse que o pai pode ir embora na hora em que ele quiser, mas que nunca vai autorizar que eu e você saiamos do Brasil até que sejamos adultas.
— Bom, nesse caso teremos que esperar só uns três ou quatro anos e vamos embora também atrás do pai.
— Kimberly, eu não aguento mais essas brigas. Prefiro que o pai vá embora logo, depois a gente dá um jeito de ir visitá-lo. Isso tudo acaba comigo. Ouvi ainda que corremos o risco de perder o sítio por causa das dívidas.
— O sítio? Mas esse lugar é tudo que temos! Eu vou ajudar a mãe a fazer mais bolo pra vender.
— Vai ter que ser muito bolo, porque, pelo o que eu escutei, a situação é grave. Ouvi a mãe dizer que se arrependeu de ter se casado com nosso pai.
— Não sei por que você liga pra isso, Alyssa.
— Eu não sou insensível como você. Eu me importo com nossos pais, é a minha família. Ouvir isso machuca.
— Eu também gostaria que nossa família ficasse unida, mas se o pai quer ir embora e a mãe quer ficar, eles terão que se divorciar, não tem jeito.
— Não aguento mais esse drama de quinze anos.
— A sua idade.
— Sim.
— Eu fiz uns donuts deliciosos. Come um doce que você fica mais animada, Alyssa.
— Ah, minha irmã, está bem. Vamos afogar as mágoas no doce. Depois ainda quero brownie – eu disse, tentando um sorriso.
A professora de Língua Portuguesa pediu um trabalho em grupo sobre escritores do arcadismo. Parece até brincadeira, mas a professora Diana selecionou a Maria, o Joseph e eu para o mesmo grupo.
Os olhos do Joseph brilharam quando ele ouviu a professora pronunciar meu nome em sua equipe. Ainda não havíamos conversado muito depois daquela vez que nos esbarramos no dia da prova de matemática. Eram mais olhares, sorrisos e piscadas (da parte dele, é claro). Eu permanecia muito na minha, sem me envolver.
A partir daquele dia passamos a conversar mais, juntamos nossas mesas para começar a programar o trabalho, o que faríamos, como seria nossa pesquisa. Tínhamos que escolher um autor brasileiro e um estrangeiro do século dezessete.
Passamos a nos reunir uma ou duas vezes por semana na biblioteca municipal da cidade para iniciar as pesquisas. Naquela época, início dos anos 2000, a internet ainda não era popular, fazíamos todos os trabalhamos manuscritos e as consultas eram cem por cento nos livros. Eu amava a entrada da biblioteca com aqueles bonequinhos e flores coloridas. Tenho saudade de cada cantinho.
— Oi, Alyssa! – Joseph chegou à biblioteca logo depois de mim, beijou meu rosto e sorriu.
Eu já estava sentada à mesa, mas a Maria ainda não havia chegado.
— Oi, Joseph – eu disse em tom de voz ainda tímido.
— Achei que você não viesse.
— E por que eu não viria?
— Achei que tivesse medo dos rapazes, é sempre tão tímida.
— Não quando se trata de fazer meus trabalhos escolares.
— Estou brincando. Te admiro muito, Alyssa. Aliás, temos que estudar para a prova de matemática que vamos enfrentar no final do semestre. Em outra hora, é claro.
— Verdade. Estou com dificuldade nos gráficos de funções. Preciso treinar.
— Com as exatas eu tenho mais facilidade. Adoro química e física. Acho que vou poder te ajudar. E você me dá uma força nas humanas. Tenho dificuldade em Língua Portuguesa. Não consigo decorar todas aquelas regras chatas da gramática.
— Em química até que eu tenho mais facilidade, os cálculos é o que me pegam. Sou considerada uma das melhores alunas da sala mais por causa das minhas notas máximas em português, inglês e alemão. Sem falar que eu amo Geografia e História. Decoro tudo. Aprendo tudo. Assim os colegas nem reparam que não sou tão boa com os números, mas adoro Física, especialmente a astronomia.
— Você comentou outro dia que gosta muito de ler livros de astronomia e pretende até comprar um telescópio.
— Sim. Mas o telescópio nem sei quando vou poder comprar. As coisas estão difíceis lá no sitio, meus pais estão passando por mais uma crise financeira e conjugal.
— Nossa! Que chato! Não é legal ver os pais brigando.
— Dessa vez eu acho que meu pai vai mesmo embora para os Estados Unidos. Não tem jeito.
— Que pena que sua mãe não gosta da América. Eu já estive por lá algumas vezes.
O Joseph era rico ao meu ver, pois seus pais eram donos de uma das mais tradicionais cervejarias da região. Ele tinha até telefone celular, um objeto para poucos no início dos anos 2000.
Essa era a entrada da loja da cervejaria:
— Eu adoro lá também. Meus avós são maravilhosos. Moram em Boston. No inverno neva muito. Eu adoro a neve e patinar no gelo – eu disse.
— Aqui no sul do Brasil é friozinho, mas o frio daqui nem chega perto de lá – ele comentou, me olhando com aquela cara de quem me devorava com os olhos.
— E a Maria que não chega... – eu disse pra disfarçar.
— Já se passou mais de meia hora e ela não apareceu.
— Acho que ela não vem mesmo. Vamos começar nossa pesquisa só nós dois mesmo.
— Vamos sim. Tudo bem. Ah, a gente pode combinar de você e a Maria irem lá na minha casa, pra estudar e pesquisar. Eu tenho acesso à internet no meu computador.
— Que legal. Confesso que entrei na internet só quando estive nos Estados Unidos há dois anos, na casa dos meus avós. Lá já é uma coisa comum. Aqui sempre usei os livros pra fazer pesquisas.
— Eu tenho computador em casa já há uns três anos. Meu pai acabou comprando pra administrar em casa os negócios da nossa família – Joseph explicou e sorriu.
Há mais de um mês eu já sentia uma dor pélvica e na virilha, a princípio era leve, por isso não me importei, mas foi aumentando com o passar dos dias. Naquela tarde, na biblioteca, uma dor terrível me atacou subitamente.
— Ai! –gritei, apertando meu ventre com as mãos.
— Alyssa! Não se sente bem? – Joseph se mostrou preocupado.
— Estou sentindo uma dor muito forte aqui no ventre e na virilha também. Joseph, a dor está muito forte, eu não vou aguentar – eu disse, com voz fraca.
— Fica calma, eu vou chamar uma ambulância. – Ele sacou o telefone celular do bolso.
Desmaiei.
***
Abri meus olhos lentamente, acordei fraca, deitada em uma cama, em uma sala branca. Eu estava vestida com um avental azul horroroso. Notei um corte na minha barriga, próximo à virilha.
O rosto da minha mãe foi o primeiro que enxerguei. Ela estava afagando meus cabelos.
— Mãe, onde estou? O que aconteceu?
— Filha, está se sentindo bem? Você passou mal na biblioteca, seu colega Joseph chamou a ambulância e te trouxeram pra cá.
— O que eu tenho?
— Você teve uma crise aguda de apendicite e foi operada com urgência. Ainda está com uma infecção pélvica. Precisa se cuidar agora, filha. O médico disse que você vai ficar bem se fizer o tratamento como ele mandar.
— Onde está o Joseph?
— Ele está na sala de espera do hospital.
— Quer falar com ele?
— Eu devo estar horrível, com cheiro de remédio.
— Ele ficaria feliz em te ver bem.
— Tudo bem. Pede pra ele entrar.
— Vou pedir. Aproveite que agora é horário de visitas.
— Está bem.
Uns três minutos depois o Joseph entrou pela porta do quarto, sorriu e se aproximou do meu leito. Me trouxe um buquê de flores.
— Joseph – eu disse seu nome.
— Alyssa. Sente-se melhor?
— Ainda estou meio zonza, fraca. Mas o médico disse que eu vou ficar bem se respeitar os dias de repouso e seguir o tratamento.
— Eu trouxe isso pra você.
— Uma rosa! Obrigada. Adoro flores.
— Durante a sua cirurgia eu fui até a floricultura aqui ao lado do hospital e comprei essas rosas pra você.
— Delicadeza sua. Nem precisava se incomodar. Agora estou vendo que vou perder muitas provas e conteúdos.
— Não se preocupe com isso. Dia sim, dia não, eu irei à sua casa pra te passar os conteúdos e te ajudar a estudar matemática. – Joseph se mostrou gentil e atencioso.
— Obrigada.
— Já avisei a Maria, ela está vindo pra te ver.
— Fico feliz em contar com a ajuda dos meus colegas. Acho que ainda fico mais uns três dias aqui e mais de um mês de repouso em casa.
— O importante é você ficar cem por cento boa. – Ele sorriu para mim mais uma vez.
Naquele instante a Maria chegou.
— Como vai, minha amiga doentinha? – Ela entrou já toda querida comigo e me trouxe um mimo também: um livro. – Oi, Joseph. – Ela beijou o rosto dele.
— Oi, Maria. Nossa colega já passou pela pior parte: enfrentar a facada. Vai sobreviver. – Ele sorriu pra ela.
— Minha amiga querida. Que bom que você veio! – eu disse.
— Meu pai me trouxe de carro. Me desculpem por não ter ido à biblioteca, mas tive um imprevisto. Eu já ia te ligar, Joseph. Mas que bom que o Joseph estava lá para te salvar hoje, não é mesmo, Alyssa?
— Sim, amiga. Que bom que um amigo estava lá pra me salvar desse infortúnio inesperado – eu disse.
— Eu trouxe esse livro pra você se distrair. – Maria me entregou a obra.
— Obrigada – agradeci.
— Não vi seu pai aqui, Alyssa – Maria disse.
— Antes de entrar aqui no quarto eu ouvi a recepcionista informar à sua mãe que seu pai ligou avisando que já está chegando – Joseph comentou.
— Falando nele, aí está – eu disse, depois de ver meu pai entrando.
Darin se aproximou do meu leito. Eu amava muito meu pai. Naquele momento eu percebi que sentiria muita saudade se ele fosse mesmo embora para os Estados Unidos. Ele afagou meus cabelos.
— Minha filha, como você está se sentindo agora? – Darin me perguntou, afagando meus cabelos.
— Como é bom te ver, pai. Agora que o efeito da anestesia está passando, sinto meu corpo todo dolorido.
— Precisa se cuidar, mocinha. Falei com a sua mãe no corredor, o médico acabou de dizer que você vai ficar aqui mais uns oito dias para tratar a infecção – meu pai me contou.
— Não acredito! Oito dias!
— Vai passar rápido. Logo estará em casa – Joseph tentou me animar.
Alguém bateu na porta.
— Com licença, estou entrando! – Era a Kimberly, com seus cabelos escuros cacheados, seu ânimo e seu sorriso. Era só um ano mais nova, mas, por ser mais espontânea, achavam que ela era mais velha do que eu.
— Kimberly! Você veio – eu disse, retribuindo seu sorriso.
— Claro que sim, minha irmãzinha. Estou aqui pra te dar um beijo e dizer que vou cuidar de você quando voltar pra casa. Ah, obrigada, Joseph, por ter salvado a Alyssa hoje – Kimberly o agradeceu.
— Não foi nada, Kimberly. Sei que vocês fariam o mesmo por mim se eu precisasse. – Joseph foi modesto.
— Papai, Maria, Joseph, eu! Estamos todos aqui! É quase uma festa. Falei com a minha mãe na sala de espera. Ela tinha dito que nem pode entrar tanta gente assim no quarto de uma vez só. Mas enfim, Alyssa, eu trouxe pra você seu livro de astronomia favorito. Aqui está! – ela disse alegre.
— Obrigada, irmã querida. Você acertou em cheio! A Maria também me trouxe um livro. Vocês são uns amores. Obrigada a todos – eu agradeci.
— Estamos aqui pra cuidar de você, filha. – Meu pai sorriu mais uma vez. Eu dizia que ele tinha o sorriso “black” mais lindo do mundo.
Os minutos se passaram, como tudo na vida, e a enfermeira chefe abriu a porta avisando:
— Gente, o horário de visitas terminou. – Ela se retirou e fechou a porta de novo.
— Temos que ir agora, minha filha. Sua mãe vai ficar aqui no hospital cuidando de você.
— Eu já vou então, amiga. Ainda nessa semana eu volto pra contar as novidades. – Maria se despediu me dando um beijo no rosto.
— Também tenho que ir. Fica bem, Alyssa. Virei mais uma vez pra te ver. Não se preocupe com as matérias da escola. Vou preparar resumos dos conteúdos e levar pra você quando voltar pra casa. Oito dias passam rápido – Joseph disse, afagando meus cabelos. Ele me beijou meu rosto.
— Meu pai está me esperando de carro na porta do hospital. Querem uma carona, Joseph, Kimberly, senhor Darin? – Maria perguntou a eles.
— Sim, Kimberly, eu quero e agradeço muito a sua carona. Cheguei aqui de ambulância, minha bicicleta ficou lá na biblioteca. Podemos voltar juntos então – Joseph respondeu.
— Eu agradeço, Maria, mas estou com meu carro. Velho, mas está pago. – Nós rimos. – A Kimberly vai comigo, não é, filha?
— Sim, Maria, pode levar o Joseph, eu vou com meu pai. Obrigada – Kimberly agradeceu.
— Obrigada pela visita de vocês. Tenho poucos, mas verdadeiros amigos. Te amo muito, pai – eu agradeci.
— Também te amo, filha. Se cuida. – Meu pai beijou meu rosto.
Todos saíram do quarto.
Jamila Mafra