Sim, a minha pobre alma anda morta de sono, e não a deixam dormir - tem frio, e não sei aquecer! Endureceu-me toda!secou, ancilou-se-me; de forma que movê-la - isto é: pensar - me faz hoje sofrer terríveis dores. E quanto mais a alma me endurece, mais eu tenho ânsia de pensar! Um turbilhão de idéias - loucas idéias! - me silva a desconjuntá-la, a arrepanhá-la, a rasgá-la, num martírio alucinate! Até que um dia - óh!é fatal - ela se me partirá voará em estilhaços... A minha pobre alma! A minha pobre alma!...
A minha alma não se angustia apenas, a minha alma sangra.''As dores morais transformam-se-me em verdadeiras dores físicas, em dores horríveis, que eu sinto materialmente - ''não no meu corpo, mas no meu espírito.
Sou todo incoerências. Vivo desolado, abatido, parado de energia, e admiro a vida, entanto como nunca ninguém a admirou!
Mas hoje já não sei com que sonhos me robustecer. Acastelei os maiores... eles próprios me fartaram: são sempre os mesmos - é impossível achar outros...
Mário de Sá-Carneiro
Enviado por Mafra Editions em 06/11/2023